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O que o transplante do Faustão nos ensina sobre fato e opinião

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Mariana Mandelli
Jonas Santana

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Cirurgia do apresentador provocou ondas de julgamentos e desinformação nas redes

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“Passou na frente de muita gente que espera por um transplante”. “Gosto muito do Faustão, mas o meu pai também deveria ter prioridade”. “Muita gente na fila e do nada ele quem ganha um coração”. “Quem tem dinheiro não precisa ficar na fila do SUS”. No último domingo, após o anúncio de que o apresentador Fausto Silva havia realizado um transplante de coração em São Paulo (SP), o teor dos comentários nas redes sociais era mais ou menos esse, repletos de desconfiança, desinformação e teorias conspiratórias. 

Quem acessasse o X/Twitter ou o Instagram poderia imaginar que as plataformas haviam sido tomadas por especialistas no funcionamento do Sistema Único de Saúde ou em procedimentos médicos complexos e cardiopatias graves, tamanha a certeza com que algumas afirmações eram feitas.

A histeria especulativa foi tanta que o Ministério da Saúde e o governo paulista emitiram notas explicando os critérios técnicos para a realização de transplantes, com dados que rebatem, com fatos e números, a enxurrada de opiniões sem fundamentos que varreram as timelines.

Afinal, por que é mais fácil descredibilizar o SUS do que acreditar na celeridade do sistema? Não existe apenas uma resposta para essa pergunta, já que vivemos em um país onde não faltam denúncias de corrupção e de favorecimento de elites e pessoas influentes. Também não há como negar que, no Brasil, a crença nas instituições públicas é baixa.

Dados como os do Edelman Trust Barometer 2023 ajudam a entender o cenário: de acordo com o estudo, 40% dos brasileiros desconfiam do governo e 46% da mídia — ambos são vistos como fontes de desinformação. O relatório, que envolveu uma amostra de 32 mil pessoas de 28 países, ainda mostra que, por aqui, líderes institucionais não têm confiabilidade e que “forças divisoras”, como ricos e autoridades governamentais, são vistos por grandes parcelas da população como grupos que intensificam desigualdades (62% e 49%, respectivamente).

Índices como esses devem ser entendidos no contexto de hiperconexão e infodemia em que estamos, sem esquecer do cenário de polarização política vivenciado com mais ênfase nos últimos cinco anos. A disseminação de conteúdos conspiracionistas, negacionistas e antidemocráticos encontra sentido, sabemos, nas crenças e opiniões de grande parte da população. 

O chamado viés de confirmação, tendência humana a validar e a acreditar apenas naquilo que referenda nossos valores e preconceitos, buscando sempre respaldo para eles, também ajuda a explicar por que para tanta gente pode ser mais fácil crer em falcatruas do que em dados e estatísticas positivos de fontes oficiais

Isso pode ocorrer também em situações corriqueiras, que envolvam anônimos. Um exemplo recente é o de um vídeo que viralizou há algumas semanas, em que um cachorro corria atrás de um carro em Nova Iguaçu (RJ). As imagens foram rapidamente interpretadas, sem provas, como mais um caso de abandono de animal, e a tutora sofreu diversos ataques nas redes sociais. O problema é que não se tratava disso: o cão havia fugido de casa.

Furar a fila de transplante ou abandonar um animal são atos reprováveis socialmente e que estão enraizados nas ideias pré-concebidas que temos de nós mesmos como sociedade. No Brasil, passou a ser comum discutir os privilégios de poucos sob a falta de acesso a direito de muitos. 

No entanto, ter consciência de injustiças sociais não deve ser justificativa para validar pontos de vista que não sejam baseados em evidências, distorcer fatos e, consequentemente, compartilhar desinformação que fere a reputação alheia. Mesmo porque tais atos podem ser enquadrados como difamação, calúnia e injúria e, assim, punidos como tais de acordo com o Código Penal Brasileiro.

A internet está cheia de armadilhas para que situações como essas se repitam, mas cabe a cada usuário uma conduta responsável e ética. “Informem-se antes de julgar”, disse João Silva, filho de Faustão, ao rebater as acusações contra o pai e o SUS. Se buscássemos informações antes de postarmos nossas opiniões e apontarmos dedos, talvez fossemos capazes de valorizar o que funciona no Brasil

 

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Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação

Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta.

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Jonas Santana

Assistente de comunicação

Jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com intercâmbio de um semestre na Università degli Studi di Roma - La Sapienza (Itália). Foi trainee no Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha de São Paulo e integrou o Programa de Voluntariado #tmjUNICEF de combate à desinformação acerca da pandemia da Covid-19. Possui passagens por Jornal da USP, Rádio USP, Memorial da Resistência de São Paulo, ONG Repórter Brasil, UOL, LabCidade e Folha de S.Paulo.

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