Imagem: Mykyta Martynenko/Unsplash
As grandes filas para a vacinação de idosos em São Paulo (SP) e em outras localidades preencheram o noticiário nas últimas semanas. Comumente acompanhado dos filhos e netos, o público da terceira idade, considerado prioritário nas campanhas de imunização, tem aparecido em imagens que trazem um pouco de esperança em meio a um cenário desolador que vivemos no Brasil.
A alta procura pela vacina contra o coronavírus por essa parte da população disfarça, porém, um dado importante: a vulnerabilidade dessa faixa etária à desinformação. Em outras palavras: os idosos são mais suscetíveis a consumir e compartilhar textos, imagens e links com teorias da conspiração, golpes virtuais e conteúdos mentirosos disfarçados de jornalismo — as chamadas “fake news”.
Essa pode ser uma percepção óbvia para quem convive com pessoas mais velhas. Não é à toa que, por aqui, surgiu a figura do “tiozão do zap”, uma espécie de alegoria popular em tempos digitais que resume o comportamento daquele parente mais velho acostumado a disseminar correntes, boatos e até mensagens bizarras que aparentemente não trazem nenhuma conexão com a realidade.
Tal sensação não é apenas um achismo baseado na convivência familiar: algumas pesquisas têm mostrado que as pessoas acima dos 65 anos espalham até sete vezes mais artigos falsos do que o grupo etário entre 18 e 29 anos. Tal conclusão está em um estudo de pesquisadores da Universidade Princeton e da Universidade de Nova York (NYU), e foi publicado pela revista científica Science Advances em 2019. A análise foi baseada no comportamento dos usuários do Facebook durante a campanha para a presidência dos Estados Unidos em 2016.
Dados anteriores já apontavam essa tendência: em 2018, um relatório produzido em conjunto por pesquisadores da Universidade de Exeter, da Dartmouth College e de Princeton mostrou que, semanas antes do mesmo pleito eleitoral, os norte-americanos com mais de 60 anos visitavam mais páginas de “fake news” do que os eleitores mais jovens.
As motivações para isso parecem claras para o senso comum: trata-se de um grupo com declínio cognitivo por conta do avanço da idade e também de pessoas mais solitárias, que usam as redes sociais para construir relacionamentos muitas vezes suspeitos. Mas estudiosos alertam que essa estereotipação dos idosos nem sempre é baseada em argumentos científicos, além de não ajudar na criação de medidas efetivas para fazer com que esse público se informe de modo mais crítico e responsável.
É o caso de Nadia Brashier e Daniel Schacter, do departamento de psicologia da Universidade de Harvard, que afirmam que existem outros fatores para além dessas suposições. Autores do artigo “Aging in an Era of Fake News”, publicado em 2020, eles chamam a atenção para a falta de educação midiática e digital dessa população que, sem familiaridade com as novas tecnologias de um mundo que muda o tempo todo, tende a acreditar mais na opinião de pessoas dos seus círculos afetivos.
Ou seja: precisamos de iniciativas que tratem a desinformação entre a terceira idade com as especificidades que esse grupo exige, sem discriminação generacional e com a premissa de que todos e todas podem — e devem — aprender a interrogar as informações e mensagens que recebem diariamente.
É preciso lembrar que as pessoas mais velhas cresceram em um contexto onde a informação necessariamente passava por um tratamento, por cuidados e checagem, já que a imprensa estabelecida funcionava como uma espécie de filtro ao intermediar a comunicação com o público. Muitos idosos acreditam no que lêem simplesmente porque aquilo “está publicado”, sem entender que hoje qualquer indivíduo tem o poder de produzir e publicar conteúdos sem quaisquer critérios.
Com a pandemia de Covid-19, é perceptível um esforço para falar com esse público. Alguns governos envolveram autoridades e personalidades acima dos 60 anos em suas campanhas de imunização, como é o caso de Israel, que usou o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu em um vídeo de tom didático e humorístico, e da Inglaterra, com Elton John e Michael Caine protagonizando um comercial do NHS, o sistema nacional de saúde britânico.
Mas é preciso mais. São urgentes propagandas que falem diretamente com os idosos, levando em conta suas reais necessidades e contextos; programas e cursos gratuitos que tentem preencher a lacuna desse grupo no que tange ao desenvolvimento de habilidades midiáticas e informacionais; e também uma conscientização, por parte dos familiares, das suscetibilidades desses indivíduos a conteúdos fraudulentos.
Não se trata de uma ou outra medida, mas de um conjunto de ações que ensine a eles a chamada prática do “ceticismo saudável”, para que se protejam não só em uma crise de saúde pública como a que vivenciamos, mas de outros problemas que podem afetar profundamente a segurança e vida social e financeira da terceira idade.