📸: Fausto Sandoval | Unsplash
Quem costuma gastar algumas horas diárias em redes sociais provavelmente se deparou, nas últimas semanas, com dois vídeos de brigas no aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo. Um deles trazia um casal que, angustiado após o descaso de uma companhia aérea, destruía o guichê de atendimento; o outro retratava uma briga entre passageiros e funcionários de outra empresa por conta do transporte de um coelho na aeronave. Em minutos, as imagens viralizaram e pautaram discussões, artigos, colunas e reportagens por dias.
Duas situações particulares que, de repente, furaram as bolhas das timelines e tomaram uma proporção inesperada, expondo os envolvidos para além de qualquer controle e, claro, sem autorização de nenhum deles.
Explicar como e por que isso acontece já foi mais complicado. Os motivos pelos quais algumas coisas se disseminam de forma avassaladora são objetos de estudo especialmente da comunicação, do marketing e da psicologia há anos e alguns dados permitem compreender o que há por trás de um conteúdo viral.
Por exemplo: é consenso que o apelo emocional é um elemento básico para catapultar o compartilhamento de uma mensagem, algo que ajuda a explicar também a disseminação de desinformação, as chamadas “fake news”. Essa é basicamente a mesma conclusão a que chegou a empresa inglesa de tecnologia e marketing Unruly, em 2015, após analisar mais de 430 bilhões de interações com vídeo. De acordo com os dados, a mecânica do viral está relacionada à resposta psicológica e à motivação social que a postagem provoca.
Dentro dessas duas premissas estão, obviamente, uma série de emoções e gatilhos, como surpresa, satisfação, humor, autoafirmação, alegria, autoexpressão e solidariedade, que, segundo a Unruly, impulsionariam o ato de encaminhar um vídeo para seus contatos sem pensar muito bem nas consequências disso.
Em outras palavras, por mais que a lógica das plataformas superdimensione a velocidade de disseminação de um conteúdo, uma vez que os algoritmos reconhecem mensagens com alto engajamento e dão ainda mais visibilidade para elas, tudo começa com a ação orgânica —leia-se: ação humana. Justamente como os episódios no aeroporto de Guarulhos e tantos outros.
No caso dessas duas situações particulares que acabaram ganhando o debate público, as imagens de violência foram as propulsoras da viralização, fazendo com que muito mais gente tomasse conhecimento do ocorrido e, consequentemente, passasse a julgar, criticar e até difamar as pessoas envolvidas.
Mas colocar o nosso efêmero entretenimento acima de tudo pode causar problemas reais na vida de outrem. São inúmeros os casos de pessoas que tiveram sua imagem jogada nas redes sem autorização e que ainda sofrem os efeitos disso em suas vidas profissionais e pessoais.
“Virar meme” pode parecer engraçado e pode até garantir uma fama provisória, mas também pode trazer consequências maléficas para a saúde mental. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a jovem Débora, hoje com 24 anos. Em 2012, uma foto privada dela com óculos escuros viralizou, o que gerou ataques e xingamentos sistemáticos por anos. A proporção do cyberbullying foi tanta que ela largou os estudos e pensou em suicídio.
Disponível na Netflix há alguns meses, a série Clickbait (2021) traz uma reflexão, com uma narrativa eletrizante, sobre a nossa responsabilidade na viralização de conteúdos. Na trama, o protagonista Nick Brewer, um pai de família amável, desaparece. Logo depois, ressurge em um vídeo online em que aparece machucado e segurando cartazes. Neles, lê-se: “Sou um abusador de mulheres” e “Chegando aos cinco milhões de visualizações, eu morro”. Mesmo com essa ameaça —e justamente por conta dela—, o número de acessos ao vídeo aumenta exponencialmente, o que traz desdobramentos assombrosos para a história.
Seja na ficção ou na realidade, uma postagem não viraliza sozinha. Há responsabilidade de todos e todas que compõem esse fluxo de rede. Refletir sobre o nosso engajamento é refletir sobre o tipo de conteúdo com que desejamos nos envolver e sobre as mensagens que gostaríamos de amplificar.
Se nos víssemos como potenciais viralizadores de informação (e também de desinformação), identificando o que nos leva a compartilhar certas coisas, talvez vídeos de situações que não nos dizem respeito, como uma briga em aeroporto, passassem batidos.