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Mapa é ponto de vista

Foto de Bruno Ferreira
Autor Bruno Ferreira Coordenador pedagógico Sobre o autor

Representação cartográfica também é discurso e, como tal, não é neutra

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O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou na última semana um novo mapa-múndi, em que o Brasil é representado no centro da carta. Em tempos de terraplanismo e de polarização política, a nova maneira de representar o nosso país na cartografia mundial foi polemizada nas redes sociais, sendo considerada “lacração geográfica” por uns e “ícone decolonial” por outros.

Longe de qualquer absurdo, é mais do que esperado que o Brasil, em um mapa de sua própria autoria, coloque-se no centro, a exemplo do que outros países já praticam, como a Austrália, que representa a Oceania em posição de destaque. A questão está em perceber que mapas, assim como qualquer outra representação, é um discurso que também é permeado por viés e subjetividade. Por ser visual, o ponto de vista em um mapa se traduz privilegiando seu enunciador em posição central. Mas isso não significa, propriamente, uma expressão pura de egocentrismo.

Como qualquer imagem, o mapa é um retrato de um momento. Considerando a esfericidade da Terra, não é possível dizer que um país ou continente específico ocupe, de fato, o centro do mundo, uma vez que a Terra está sempre em movimento. Mas precisamos entender que para nós, enquanto brasileiros, faz sentido lermos o mundo com o Brasil centralizado nessa representação, o que favorece a comparação visual com outros países.

Certamente, o novo mapa é uma inovação importante na nossa representação na carta mundial, e demonstra uma mudança positiva em nossos referenciais. O fato de termos adotado, durante muito tempo, a perspectiva eurocêntrica do mapa-múndi diz muito sobre o nosso repertório, não apenas geográfico, mas também com relação a outros aspectos das Ciências Humanas.

Até muito pouco tempo atrás, nos currículos escolares e materiais didáticos, adotamos hegemonicamente o ponto de vista da Europa. Seja na História, com a perspectiva predominante do colonizador sobre os povos colonizados, seja na Literatura, em que as leituras obrigatórias referiam-se apenas a autores portugueses e brasileiros, sem contemplar outros países de língua portuguesa, como os africanos.

Faz pouco tempo que nossas diretrizes educacionais passaram a reconhecer referências do Sul Global como importantes à formação cidadã brasileira, contemplando história, arte e literatura africanas no currículo escolar, assim como alargando a compreensão do legado social e cultural dos nossos povos originários.

Nesse sentido, algumas etnias indígenas, como a Guarani, possuem sua própria cartografia mundial, que expressa sua leitura particular dos territórios. O aspecto que mais chama a atenção é que o que consideramos como Sul Global ocupa o norte nessa representação visual. Mais do que um retrato fidedigno do planeta, a cartografia Guarani é um posicionamento ideológico e faz referência ao icônico desenho “América Invertida”, que Joaquín Torres García concebeu nos anos 1940 e que se tornou um símbolo da descolonização latino-americana.

Outro aspecto importante a considerar é a própria projeção cartográfica de Mercator, que baliza até hoje a concepção de mapas. Esta, ao achatar o formato esférico da Terra na superfície plana de um mapa, acaba por distorcer a dimensão dos países. A fim de reverter uma certa desinformação (ainda que não intencional) que os mapas tradicionais acabam fomentando nesse processo, a plataforma The True Size reverte o analfabetismo geográfico, permitindo uma comparação das proporções reais entre os países, sem anular a representação planificada.

O contato com essa diversidade, que traduz a riqueza de perspectivas sobre o mundo de diferentes enunciadores, é fundamental nos processos de educação midiática e na formação intercultural do sujeito contemporâneo. Entender mapas como discursos subjetivos é mais uma via para superar a ingênua crença de que existem textos totalmente neutros ou imparciais. Mais do que conhecer o posicionamento dos países e continentes no Globo, é preciso compreender a subjetividade que atravessa esse tipo de representação.

Foto de Bruno Ferreira

Bruno Ferreira

Coordenador pedagógico

Jornalista e professor. Mestre em Ciências da Comunicação e especialista em Educomunicação pela ECA/USP. Possui licenciatura em Educação Profissional de Nível Médio, pelo IFSP. Atuou como professor de Comunicação e Desenvolvimento Social, no Senac-SP, como consultor de alfabetização midiática e informacional da UNESCO e formador de professores de redes públicas de ensino.

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