As tecnologias digitais podem solucionar todos os problemas da educação brasileira ou, ao contrário, apenas prejudicam a dinâmica entre professores e estudantes, sendo um obstáculo à aprendizagem? É essa lógica polarizada que tem norteado boa parte das discussões sobre o uso de celulares, tablets e computadores em sala de aula: você deve ser contra ou a favor, sem espaço para debater as nuances de um assunto tão complexo.
Antes de mais nada, qualquer conversa sobre permitir ou banir tais dispositivos deve considerar em que contexto seriam utilizados no ambiente escolar: de forma meramente recreativa pelos estudantes; como ferramenta pedagógica acompanhada e mediada por professores em momentos específicos; ou como meio pelo qual crianças e jovens participam da cultura digital, com oportunidades para se expressar, mobilizar e, quem sabe, solucionar problemas reais de sua comunidade?
Na semana passada, a Unesco divulgou um amplo relatório global sobre tecnologias na educação, analisando em mais de 400 páginas os desafios e as oportunidades que se apresentam. Diversos sites jornalísticos privilegiaram o recorte mais pessimista do documento e reduziram uma discussão detalhada a manchetes chamativas como as que sugeriam o banimento total de smartphones da escola.
Um olhar mais detalhado sobre o relatório revela que a discussão é bem mais complexa. Para a Unesco, é importante ensinar as crianças a viver com e sem tecnologia, preparando os estudantes para uma participação segura, crítica e responsável nos ambientes online.
“Banir a tecnologia das escolas pode ser legítimo se ela não melhorar a aprendizagem ou piorar o bem-estar dos estudantes. Ainda assim, trabalhar com tecnologia nas escolas, e os riscos associados, pode exigir algo mais do que proibição”, destaca a publicação, enumerando os pontos que merecem ser observados por formuladores de políticas públicas e gestores:
— As diretrizes sobre o que é e o que não é permitido nas escolas devem ser transparentes e baseadas em conversas que levem em conta evidências sólidas;
— É preciso ter clareza sobre o papel que essas novas tecnologias têm sobre a aprendizagem e seu uso responsável na escola e pela escola;
— Os estudantes precisam aprender os riscos e as oportunidades que vêm com a tecnologia, desenvolver habilidades críticas e entender os momentos em que faz sentido fazer uso dela.
“Privar os estudantes das tecnologias novas e inovadoras pode colocá-los em desvantagem. É importante considerar essas questões com um olhar no futuro e estar pronto para se adaptar à medida que o mundo muda”, acrescenta a Unesco, que vê a educação digital e midiática como prática essencial para minimizar os riscos e ampliar as oportunidades geradas pela tecnologia.
A entidade reconhece que o acesso a dispositivos digitais é desigual em boa parte do mundo — em média, 46% das casas tinham um computador em 2020, sendo que o percentual caía para apenas 7% nos países mais pobres. De forma similar, estudantes em situação mais vulnerável têm menos oportunidades de aprender como buscar, filtrar, avaliar e gerenciar dados e informações nos ambientes digitais, de modo a usufruir, com segurança e criticidade, do que a internet pode oferecer de melhor.
Sem propósito pedagógico ou adequação ao contexto da escola, a Unesco também alerta para os perigos associados à utilização indiscriminada e excessiva de dispositivos digitais.
Pode parecer contraditório, mas o que a entidade propõe é uma reflexão sobre os diversos usos possíveis da tecnologia. Não custa repetir, podemos falar de celulares, tablets e computadores na escola como entretenimento, como ferramenta pedagógica ou como o meio pelo qual os estudantes participam da cultura digital.
“As inovações tecnológicas estão transformando a maneira como as pessoas trabalham e vivem, como indivíduos e como cidadãos. O ritmo de mudança é implacável. As fronteiras entre o mundo físico e o virtual estão se tornando porosas. E as pessoas precisam de habilidades para navegar em economias e sociedades em mudança, aproveitando ao máximo as oportunidades e se protegendo dos riscos.”
Muita coisa está em jogo para simplesmente ignorarmos as inovações. Que o debate continue, questionando sempre (como propõe a Unesco) se o uso das tecnologias é apropriado, equitativo, escalável e sustentável.