
Quantas vezes você já se deparou com casais em restaurantes ou amigos reunidos em uma mesa de bar, sem olharem uns para os outros e sim dando atenção ao que veem na tela dos celulares? Tal imagem é bastante comentada quando o tema é a distância afetiva que os aparelhos tecnológicos estariam criando entre os indivíduos, fazendo com que eles preferissem as interações virtuais ao contato físico.
Isso pode ser verdade se observarmos a quantidade de “amigos” que temos no Facebook. É provável que esse número seja bem maior do que o total de pessoas com quem mantemos contato frequente, assim como é igualmente presumível que saibamos o que acontece na vida daquele conhecido de infância apenas porque as redes sociais proporcionaram que certos laços fossem restaurados. O aniversário do vizinho ou daquele tio distante só é lembrado porque alguma plataforma nos alerta, coisa que não era facilmente exequível nos tempos analógicos.
Há muito se discute, na academia e fora dela, se a web está nos deixando antissociais. Muitos estudos de diferentes áreas tentam dissecar a questão, especialmente quando se trata do público infantil. Apesar das diferentes conclusões, a verdade é que as formas com que os jovens se relacionam hoje é absurdamente diferente das quais seus pais se relacionavam há poucas décadas.
No Brasil, pelo menos 86% das crianças e dos adolescentes, com idade entre 9 e 17 anos, são usuários de internet (24,3 milhões), segundo a pesquisa TIC Kids Online 2018, divulgada em setembro de 2019.
Em todo o mundo, o impacto do maior acesso à rede já resulta em algumas tendências de comportamento. Um exemplo é o levantamento realizado em 2018 pela Common Sense Media com adolescentes entre 13 e 17 anos nos Estados Unidos. De acordo com o relatório, apenas 32% deles dizem preferir conversar pessoalmente.
Além disso, grande parte das nossas relações cotidianas são mediadas por tecnologia. A empresa de consultoria Gartner prevê que até este ano apenas 10% das interações entre consumidor e empresa serão feitas por mecanismos de voz, uma vez que o relacionamento via aplicativos de mensagem de texto se popularizou.
Tendo esse cenário em vista, como trazer esse debate para a escola, posto que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prioriza a cultura digital como uma competência a ser desenvolvida ao longo da educação básica? Explorar a voz ativa que os jovens têm nas redes sociais, ponderando a responsabilidade que ela traz, é o melhor começo.
Nesse sentido, temas como discurso de ódio e cyberbullying merecem destaque porque ressignificaram relações sociais outrora presentes apenas fora das redes, e podem ser explorados justamente como forma de mostrar aos alunos e alunas que a web potencializa comportamentos infelizmente comuns ao longo da história humana.
Tais assuntos podem motivar rodas de conversa, debates e seminários que estimulem o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, outra demanda da BNCC, e revelem às turmas como a sociabilidade do mundo virtual tem efeitos na vida prática, afetando relações e fazendo com que as vítimas se isolem ou desenvolvam distúrbios psicológicos.
Pedir aos estudantes que meçam, durante uma semana, o tempo que gastam no computador e no celular conversando com os amigos versus o tempo que passam juntos fisicamente também pode ser interessante para impulsionar uma discussão que trate do tipo de uso que eles fazem dos aparelhos e das relações. Os resultados podem ser apresentados em gráficos e ilustrações, criados no papel ou em aplicativos.
Em síntese, o universo online e o mundo offline hoje são indissociáveis, e essa percepção precisa fazer parte do cotidiano de crianças e jovens.
É fato que o smartphone de um adolescente o “conhece” melhor do que a maior parte das pessoas que o cerca – afinal, é nele que estão armazenados senhas, dados, contatos, números de documentos, históricos de conversas, agenda de compromissos, redes sociais e outros elementos cotidianos e digitais que entregam gostos, preferências e escolhas.
Classificar a tecnologia como algoz das relações e como motivadora de processos de isolamento social, portanto, dificilmente funcionará no contexto em que vivemos. Prezar por um uso seguro e ético dela, com o objetivo de criar empatia e reforçar afetos, é a melhor opção.
Imagem de EDCo.photostream por Flickr