Muito se falou nas últimas décadas sobre o impacto que as novas tecnologias teriam no ensino, e uma das suposições mais comentadas era a possibilidade de que computadores substituíssem, em um futuro não tão distante, o professor em sala de aula. Apesar do boom da educação a distância e de outros modelos educacionais que hoje funcionam por conta dos avanços digitais, a verdade é que o docente não perdeu seu papel fundamental no processo de educação das crianças e jovens – na realidade, ele nunca foi tão importante.
Isto porque, no mundo conectado, a responsabilidade do professor aumenta ainda mais. Se a informação e o conhecimento estão por toda parte, como mostrar aos alunos o que realmente importa? Reformulando um pouco essa pergunta, a questão na verdade é: o que esperar de um estudante midiaticamente educado e, claro, de um educador bem formado para preparar esse aluno para lidar com a avalanche de notícias, textos, imagens e dados que o cercam?
Algumas dessas questões apareceram no podcast do Folha na Sala de 1 de outubro, que discutiu o desafio de se falar de “fake news” na escola, contando casos de professores que conseguiram incluir o assunto nas atividades curriculares. Entre os depoimentos apresentados no podcast, há a fala de uma pesquisadora que chama a atenção para a necessidade de se instituir uma política nacional de educação midiática que estabeleça parâmetros para o ensino e apoio aos educadores para lidarem com o tema.
A boa notícia é que o Brasil tem a vantagem de contar com Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um grande um avanço – e também uma ótima oportunidade – em termos de estabelecimento de parâmetros nacionais para o tema. Como se sabe, no documento, que descreve os objetivos de aprendizagem dos alunos da educação básica, a educação midiática tem grande presença nos conteúdos de língua portuguesa, além de ser apresentada como tema transversal em outras disciplinas.
É preciso reforçar a importância da Base e da inclusão do campo jornalístico midiático porque mesmo nos países onde a discussão da educação midiática está mais adiantada, como é o caso dos Estados Unidos, não há nenhum tipo de diretriz nacional – até agora, apenas três estados incluíram o tema em seus currículos.
Transformar a BNCC em realidade na sala de aula ainda é um grande desafio no Brasil inteiro, uma vez que nosso país é extenso e bastante desigual. Porém, as experiências mundo afora dão pistas de como isso pode acontecer, e o EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta, debruçou-se sobre estudos, pesquisas, planos e outros materiais para reunir insumos importantes para instituir essa prática na sala de aula. Todos esses materiais apontam no sentido de repensarmos as habilidades de ler, escrever e participar da sociedade digital com mais criticidade e responsabilidade.
Assim, para conduzir o aluno por essa trilha, o educador precisa:
- explorar novas abordagens pedagógicas proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação, pensando em como incluí-las no dia a dia escolar – ou seja, se o conhecimento também passa pelo ambiente digital, é preciso saber como incluir um meme, por exemplo, em uma aula de análise e interpretação de texto;
- incentivar uma cultura de aprendizagem que estimule a curiosidade e o aprendizado contínuo, fazendo com que sua turma entenda que a relação com o conhecimento e as mídias não é algo estanque, mas que se movimenta, assim como as tecnologias também evoluem;
- facilitar a aprendizagem de maneira significativa, fazendo uso de recursos diversos de mídia, sejam eles analógicos, como jornais e revistas, ou digitais, como celulares e tablets;
- guiar os alunos para práticas éticas, legais e seguras no ambiente digital e fora dele, estimulando experiências engajadoras que levem os estudantes a participar e contribuir para a sociedade de maneira crítica e responsável, respeitando opiniões diversas e evitando práticas como cyberbullying e exposição a boatos e outras práticas típicas da desinformação.
Isso nos leva a finalmente responder a pergunta sobre o que é um jovem midiaticamente educado. Em termos gerais, esse aluno deve:
- saber analisar de forma crítica os textos de mídia em qualquer formato, dos impressos à internet, diferenciando os gêneros jornalísticos e publicitários (artigo, reportagem, editorial, memes, post patrocinados etc), desconfiando da origem das informações em redes sociais e checando a veracidade dos dados que recebe;
- compreender como usar os mecanismos de busca, curadoria e produção de conhecimento, manuseando essas ferramentas de pesquisa online e offline de modo a construir seu próprio aprendizado de modo autoral e significativo;
- saber acessar um amplo leque de ferramentas digitais e ter flexibilidade para encontrar e adaptar-se a novas ferramentas, que não param de surgir a todo momento: gadgets, aplicativos, jogos e outros;
- aplicar todo esse conhecimento do ambiente informacional e midiático para solucionar problemas, para o exercício da cidadania e para a autoexpressão, de forma ética e responsável.
Em linhas gerais, educação midiática nada mais é do que formar cidadãos para um mundo conectado. As crianças e os jovens precisam entender que ser cidadão hoje implica em respeitar a diversidade dentro e fora da internet, e que essas duas dimensões são inseparáveis. Um aluno midiaticamente educado se torna um cidadão apto a exercer a sua cidadania e liberdade de expressão em todas essas dimensões.
Imagem de John Schnobrich por Unsplash