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Representatividade importa, sim

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Autor Mariana Mandelli Coordenadora de comunicação Sobre o autor

Pressão de movimentos e ativistas por mídias mais diversas coloca estruturas hierárquicas em xeque

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A grande comoção em torno da morte do ator Chadwick Boseman, 43, que morreu em decorrência de um câncer de colón, foi percebida de diversas maneiras mundo afora, inclusive –e talvez principalmente– pela repercussão nas redes sociais. Para se ter uma ideia do volume de mensagens lamentando a perda, o tweet que anunciava o falecimento do artista foi o mais curtido da história da plataforma, superando marcas astronômicas como 7,5 milhões de likes, 3,1 milhões de compartilhamentos e 167 mil comentários.

A enxurrada de homenagens reconhecia o enorme talento do ator, que não pode ser dissociado da importância que Boseman trouxe para a representação do negro no cinema. Interpretando papéis icônicos como o super-herói Pantera Negra (filme indicado a sete Oscars), o cantor James Brown e o jogador de beisebol Jackie Robinson, o primeiro preto a ingressar na liga do esporte nos Estados Unidos, pode-se dizer que ele amplificou a cultura e a história da população negra na sétima arte, como ressaltou um artigo do Wall Street Journal.

Temas de pesquisas acadêmicas há décadas, especialmente nas ciências sociais, categorias como identidade, representação e representatividade vêm permeando o debate público com mais ênfase nos últimos anos, mesmo que de maneira mais genérica ou superficial como acontece nas redes.

A cobrança por mais representatividade tem perpassado diversas esferas da vida social, inclusive a midiática. Tanto nas plataformas digitais como nos veículos mais tradicionais há um movimento crescente que problematiza a ausência ou invisibilidade de pessoas pretas, homossexuais, transexuais, gordas e com deficiência, por exemplo, em publicidades, novelas, noticiários e nas próprias mídias sociais.

No que tange especificamente à questão antirracista, em junho, um painel da GloboNews foi dura e justamente criticado nas redes por apresentar uma discussão sobre o tema que contava apenas com comentaristas brancos. Reconhecendo o equívoco, o canal fechado levou a atração ao ar no dia seguinte apenas com jornalistas negros: Heraldo Pereira, Aline Midlej, Zileide Silva, Maju Coutinho, Flávia Oliveira e Lilian Ribeiro debateram o preconceito racial no “Em Pauta”, que foi reprisado na TV aberta como uma edição do Globo Repórter.

Maju Coutinho é um caso que merece destaque nesse sentido. Após ser vítima de episódios de racismo e injúria racial, sua ascensão profissional foi muito comemorada nas plataformas digitais, especialmente quando foi alçada à âncora do Jornal Hoje e ao apresentar o Jornal Nacional aos sábados.

A importância de se ter, de modo perene, uma mulher preta à frente de um noticiário da maior rede de televisão do País é imensurável e pode ser exemplificada com um vídeo que viralizou no ano passado, em que uma garotinha negra olhava para Maju na tela da TV e dizia: “Olha o meu cabelo aqui”, apontando para a apresentadora.

Tal episódio é apenas um exemplo do alcance que a valorização da diversidade pode ter. Assim como o rei T’Challa de Boseman inspirou garotos e garotas por todo o mundo –como o jovem de Duque de Caxias (RJ) que voltou a estudar após assistir ao filme do herói da Marvel, como publicado pela imprensa carioca à época–, a experiência de se enxergar em protagonistas poderosos subverte lógicas estruturais de opressão social.

Obviamente, o universo dos influenciadores digitais não escapa a tudo isso –e os dados mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido por mais igualdade em vários sentidos. A pesquisa Black Influence, realizada por organizações do mundo digital como Mundo Negro e YOUPIX e divulgada nesta semana, mostrou que criadores pretos de conteúdo ganham menos do que os brancos, refletindo o cenário já conhecido pelos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, o levantamento revelou que somente 29% e 36% dos indígenas e pretos participantes, respectivamente, consideram o mercado inclusivo.

Os dados ainda apontam que as marcas procuram influenciadores negros com mais assiduidade quando as campanhas comerciais têm como tema principal a racialidade. Ou seja, reduzem o poder de influência deles apenas a essa discussão, o que mostra como a branquitude ainda é supervalorizada como imagem comercial ideal para a venda de produtos e serviços.

O desafio é enorme e histórico, mas busca midiática pela diversidade parece, nesse momento, um caminho sem volta –ainda bem. É, portanto, cada vez mais urgente que a produção de conteúdo dentro e fora das redes reflita a multiplicidade de cores de pele, gêneros e orientações sexuais, mitigando a sub-representação de todas as minorias.

A amplificação de vozes, culturas e corpos nas mídias online e offline é uma oportunidade para desconstruirmos o racismo estrutural e outros preconceitos tão arraigados na nossa sociedade, que ainda olha para as pessoas pretas como Mano Brown narra em “Negro Drama”: “Me ver pobre, preso ou morto já é cultural”.

Para isso, é bom contarmos com uma audiência mais vigilante e crítica, como aconteceu no caso da GloboNews, pois iniciativas assim provocam reflexões sobre as nossas inúmeras desigualdades. Uma audiência midiaticamente educada para reconhecer opressões, violências e discursos de ódio é mais empática e sensível, e isso precisa ser cada vez mais reforçado para que as imagens das conquistas de Chadwick Boseman e Maju Coutinho sejam regras, e não exceções.

 

 

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Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação

Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta.

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