A notícia de que 67% dos jovens brasileiros de 15 anos não sabem distinguir fatos de opiniões provocou um intenso debate nas redes sociais e análises em colunas e textos jornalísticos nos últimos dias. O dado alarmante faz parte de um novo relatório divulgado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no início de maio, com base nos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), um exame aplicado a cada três anos em dezenas de países participantes.
A avaliação permite um comparativo entre sistemas educacionais nas áreas de leitura, matemática e ciências, medindo as habilidades que os alunos dessa faixa etária desenvolveram durante a escolaridade obrigatória. No caso da distinção entre o que é factual e o que é opinativo, a medição é dada por meio de questões que exigem o domínio dessa habilidade. O percentual que mostra o despreparo dos alunos brasileiros supera a média de todos os países da OCDE, que ficou em 53%
De modo geral, o documento, intitulado “Leitores do século 21: Desenvolvendo habilidades de alfabetização em um mundo digital”, traz inúmeras reflexões sobre o acesso à tecnologia em casa e na escola, o hábito da leitura em multiplataformas e o esforço das redes de ensino para se adaptarem à era da hiperinformação, mas três pontos são fundamentais nesse debate e ajudam a responder a questão que dá título a este texto.
O primeiro deles é a desconstrução do mito do “nativo digital”, termo cunhado pelo escritor estadunidense Marc Prensky no início dos anos 2000 para definir crianças e jovens que nasceram e cresceram em meio às novas tecnologias digitais. Tal expressão se difundiu de maneira avassaladora, sendo erroneamente interpretada, dando a impressão de que essa geração, por aparentemente saber manusear celulares e computadores, também saberia ler, interpretar e participar das mídias online e offline de maneira ética e responsável.
A segunda reflexão que a OCDE nos traz trata justamente das outras faixas etárias. Se entre os jovens o índice é tão alto, como isso se manifesta entre adultos e idosos, que cresceram em um mundo desconectado? Um estudo do Instituto Ipsos publicado em 2018 mostrou que, no Brasil, 62% da população já acreditou em uma informação falsa, percentual mais alto entre os países avaliados pelo levantamento.
Vale destacar que algumas pesquisas mostram que, entre a terceira idade, a probabilidade de disseminação de desinformação, especialmente sobre temas políticos, é mais elevada do que entre os outros grupos, chegando até sete vezes mais, como mostra um estudo de pesquisadores da Universidade Princeton e da Universidade de Nova York (NYU) publicado pela revista científica Science Advances em 2019.
Por fim, como terceiro ponto de atenção, o que de mais importante podemos tirar desse debate é a urgência da educação midiática como um tema estruturante dentro das escolas — e também fora delas. No caso do ambiente escolar, o Brasil conta com um aparato legal que garante que essas habilidades sejam desenvolvidas durante a educação básica de maneira transversal, como a própria OCDE destaca no relatório.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é central para isso, pois exige que as crianças e jovens dominem competências como cultura digital, comunicação e pensamento crítico em todas as disciplinas, com ênfase na língua portuguesa, em que há um destaque especial para os conteúdos que tratam das linguagens jornalísticas, publicitárias e informacionais.
Tal exigência está na BNCC, mas o que estamos fazendo para que isso seja realmente implementado no sistema educacional? Essa discussão precisa estar nos currículos dos cursos de Pedagogia e Licenciaturas e também nas iniciativas de formação continuada para os docentes na ativa. Falta, portanto, uma política educacional nacional que dê conta do tema, diferenciando educação digital, tecnológica e informacional, e focando na educação midiática, que abrange todas essas questões.
Em suma, os jovens brasileiros não conseguem diferenciar fatos de opiniões porque essa é, hoje, uma dificuldade de todos nós. Ninguém foi preparado para o que estamos vivenciando. Não fomos ensinados a lidar com o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou de infodemia para classificar a avalanche de informações de todos os tipos sobre a pandemia — e também sobre qualquer outro tema. Apenas ler o que chega às nossas mãos e telas não é mais suficiente. É preciso fazer uma leitura lateral das informações e interpretar intenção, autoria e contexto de cada mensagem, sem esquecer de dominar as ferramentas e as linguagens que nos permitem ter voz nesse ambiente.
Em um contexto como esse, todas as nossas defasagens educacionais como sociedade ficam exacerbadas. Faltam-nos educação científica e educação política, e ao somarmos isso com os baixos índices de aprendizagem e as altas taxas de analfabetismo funcional do nosso sistema de ensino, o resultado infelizmente não poderia ser diferente.
Dados como o que a OCDE revelou continuarão a ser recorrentes se não olharmos para a educação midiática e informacional como um tema inerente à educação no século 21. Não se trata de um tema à parte: é um pilar. Educar para a informação não é mais uma escolha, é uma exigência da realidade e uma corrida contra o tempo. E, sobretudo, uma questão de autonomia, cidadania e democracia.