Imagem: Clay Banks / Unsplash
“Canal da Macaca Magrela”. Assim foi renomeado o perfil que uma garotinha de 11 anos do Rio de Janeiro mantém em uma rede social. No avatar, foi inserida a foto de um macaco. A página foi invadida por alguém que vem ameaçando a menina pela internet, que não teve a identidade divulgada.
O caso, registrado na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), está sob investigação e deve ser enquadrado nos crimes de injúria racial, difamação e ameaça.
Esse está longe de ser um episódio isolado. Textos de mães e pais narrando situações de preconceito racial a que seus filhos foram submetidos são recorrentes nas mídias sociais. Alguns viralizam, tornam-se pauta na imprensa –como aconteceu com o garoto Adriel Oliveira, de 12 anos, de Salvador (BA)– e geram indignação e debate, que acabam esmaecendo em poucos dias. Até ocorrer o próximo caso.
O ciclo perpetua-se porque vivemos em uma sociedade racista. Infelizmente ainda é preciso dizer e repetir isso com todas as letras, já que há quem siga negando a estrutura excludente em que estamos inseridos há séculos, com diferenças abismais de oportunidades, segurança, serviços, salários e acesso a bens culturais entre pretos e brancos.
Sofrer discriminação é uma situação recorrente de quem é preto no Brasil, e se essa é uma prática frequente nos espaços sociais como a rua e o ambiente de trabalho, o mundo conectado faz com que a vulnerabilidade da população preta se dê também nos infinitos espaços digitais
É por casos como o da garota carioca, do menino Adriel e do meio milhão denunciados às entidades responsáveis que a discussão sobre racismo não pode fugir da educação midiática. O combate ao discurso de ódio, o respeito à diversidade e a valorização da representatividade racial são temas inexoráveis a um processo educativo que preza pela cidadania no século 21.
A escola é o lugar para isso –inclusive por lei. Há 17 anos, vigora no Brasil a Lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira como maneira de valorizar o papel do povo preto na formação do País. Não se trata de criar uma disciplina específica, mas sim de ressaltar, especialmente nas aulas de humanidades, esses temas para além dos conteúdos relativos ao período escravocrata brasileiro.
A implementação dessa legislação, que ainda é um desafio, não deve ser feita sem uma abordagem pedagógico-midiática, como demanda a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Se os alunos da educação básica precisam desenvolver competências de cultura digital, repertório cultural, comunicação, pensamento crítico e empatia, como demanda o documento, desvincular esse percurso da vivência de uma geração ativa nas plataformas digitais é impossível.
Se podemos conceituar a educação midiática como cidadania para o mundo conectado, então ela é, por definição, antirracista, porque não é concebível uma ideia de cidadania que contemple discursos discriminatórios de qualquer tipo.
É claro que é preciso muito mais do que a indignação que vídeos de pessoas racistas provocam nas redes, assim como é preciso mais do que o ato de postar um quadrado preto para demonstrar apoio aos movimentos negros. Porque essas atitudes, por mais louváveis que sejam, não impedem que cidadãos pretos sejam espancados até a morte em supermercados.
Quando falamos que uma mudança estrutural deve passar pela educação e também pelas mídias, estamos dizendo que essas são caminhos poderosos para desestabilizar a conjuntura desigual e genocida que temos hoje no Brasil, interrompendo a reprodução de rótulos racistas impostos a pessoas pretas.
É preciso usar o ambiente digital e informacional para destruir preconceitos e incentivar a participação cívica. Esse movimento, na realidade, já começou, e o surgimento do Black Lives Matter é a melhor expressão disso, já que o grupo nasceu nas redes sociais para depois tomar as ruas, reforçando a pauta racial mundo afora. Educadores e alunos não podem ignorar a potência de tudo isso.
A antropóloga Lélia Gonzalez (1935-1994), um dos maiores nomes do feminismo negro no País, certa vez disse em entrevista que “o discurso pedagógico brasileiro” a fez rejeitar, por anos, a sua condição de mulher preta. Esta lógica precisa ser invertida: a escola deve refutar o mito da democracia racial justamente para valorizar a diversidade, construir identidades e dar aos cidadãos negros o reconhecimento de suas trajetórias e da produção do seu conhecimento.