Arte: Hala AlAbbasi / Instagram/Reprodução
Quem é usuário assíduo do Instagram sabe que, de tempos em tempos, a plataforma atualiza os chamados stickers para serem usados nos stories. A ideia é trazer sazonalidade para a rede, permitindo que o usuário customize o seu conteúdo de acordo com épocas comemorativas de cunho religioso e cultural, como o Natal e o Ano Novo Chinês, e também datas relacionadas a lutas sociais, como o mês da Consciência Negra e do Orgulho LGBTQIA+.
Em meados de abril, o Instagram disponibilizou figurinhas especiais do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos: uma mesquita, uma lua crescente com estrela e um prato de chá com tâmaras. Por desconhecimento, muita gente não entendeu e passou a usar os stickers de maneira indiscriminada, sem saber exatamente a sua motivação.
Houve também quem fizesse um uso oportunista dos adesivos já que, ao aplicá-los nos stories, a plataforma faz com que eles ganhem um destaque próprio, o que significa que têm prioridade na hora de serem visualizados pela audiência — é uma maneira de a rede dar visibilidade à diversidade. Sabendo disso, algumas marcas e influenciadores aproveitaram para se autopromover por meio da celebração.
Tudo isso provocou uma reação virtual da comunidade islâmica que, com justiça, se sentiu profundamente desrespeitada. De modo didático, alguns usuários publicaram textos e vídeos em que explicavam as motivações do Ramadã e por que a banalização das figurinhas fere a religiosidade dos muçulmanos. Foi o caso da jovem Hyatt Omar, uma brasileira de origem palestina com cerca de 50 mil seguidores que usa a rede para compartilhar um pouco do seu cotidiano e costumes.
Não é a primeira vez que símbolos religiosos são empregados de modo indevido por empresas no Brasil. Em novembro passado, por exemplo, um clérigo hindu exigiu que uma grife de roupas retirasse de circulação peças com a estampa do deus hindu Lord Ganesha, afirmando que tal apropriação configurava uma grande ofensa aos devotos da religião.
Seja por lucro, seja por ignorância, o desrespeito a divindades e códigos de religiões menos difundidas no Ocidente é algo a ser debatido. Não se trata de polêmica vazia — ao contrário: são atestados de que, afinal, pouco sabemos sobre tradições aparentemente distantes das nossas. E isso é um solo extremamente fértil para a proliferação de desinformação e preconceitos.
É difícil admitirmos a nossa ignorância sobre a diversidade da cultura oriental. Não à toa, temas religiosos e culturais são constantemente distorcidos e manipulados em teorias conspiratórias de fácil assimilação justamente porque simplificam narrativas, históricos e mitos, transformando teorias e cosmologias em anedotas lunáticas e maniqueístas.
O contexto pandêmico é, infelizmente, um exemplo potente disso: a ideia fantasiosa de que a Covid-19 teria sido criada intencionalmente em laboratório pela China, que estaria em busca de vantagens econômicas e “dominação mundial”, ajudou a impulsionar uma campanha de sinofobia que motivou agressões de variados tipos contra orientais em diversos países.
A islamofobia é outro fenômeno bastante comum nas redes sociais, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. É sabido que discursos de intolerância contra muçulmanos ganharam ainda mais força após os atentados de 11 de setembro de 2001, o que tem gerado a reação de organizações em defesa dos direitos civis, como a Muslim Advocates, que pressionam as big techs para a retirada desses conteúdos das plataformas e lutam contra a normalização do sentimento islamofóbico.
A rapidez com que os stickers do Ramadã passaram a ser empregados, sem nenhuma reflexão sobre do que se tratava, é uma amostra de como agimos nas redes na hora de curtir, comentar e compartilhar todo tipo de conteúdo. Em modo automático, não paramos para pensar de maneira crítica nem para buscar outras fontes de informação. Os minutos que “perderíamos” com essas atitudes evitariam a disseminação, mesmo sem intenção, de estereótipos e preconceitos contra grupos que já sofrem com esse tipo de discurso de ódio e injúria.
Compreender o contexto de uma informação, seja ela uma figurinha de Instagram ou uma notícia de um grande veículo de imprensa, é fundamental em uma sociedade conectada como a nossa não só por uma questão de empatia e cidadania, mas também como uma oportunidade de ampliarmos conhecimento e visão de mundo — mundo este que é bem maior e bem mais diverso do que a nossa timeline e as nossas crenças.