Lamentavelmente, tem sido cada vez mais comum encontrarmos notícias sobre personalidades públicas que se sentem autorizadas a realizar agressões verbais publicamente a pessoas e instituições. O mais recente caso que temos lembrança foi a agressão do deputado estadual de São Paulo Douglas Garcia, do PL, à jornalista Vera Magalhães, numa tentativa de “lacração” do parlamentar em suas redes sociais, enquanto estava nos bastidores do debate entre os candidatos ao governo paulista promovido pela TV Cultura e UOL.
O deputado, a exemplo do que fizera Jair Bolsonaro no debate da TV Bandeirantes, também sentiu-se no direito de assediar a jornalista com falsas informações sobre seus ganhos, além de achincalhá-la para seus seguidores em uma transmissão ao vivo, a partir de seu celular. Mas Douglas Garcia é apenas um de uma horda de sujeitos que, inflados pelo ódio, sentem-se no direito de agredir, utilizando a liberdade de expressão, direito que representa o pilar da democracia, como justificativa para dizer o que quiser, da forma que bem entender.
O falecido intelectual italiano Umberto Eco declarou, em 2015, que a internet daria voz aos idiotas, algo que à época não caiu bem aos entusiastas das redes sociais, que assistiam empolgados a efervescência do uso desses espaços digitais para uma intensa e útil interação. Passados sete anos dessa declaração, podemos dizer que não apenas as redes sociais permitem a expressão de ideias e opiniões radicalizadas e discriminatórias, como também ajuda esses grupos a se organizarem politicamente, apropriando-se da liberdade de expressão para tentar legitimar um pretenso direito de ofender e mentir nos conteúdos que produzem e difundem em suas redes sociais.
Esse contexto, no entanto, revela-se oportuno para reforçar o real sentido da liberdade de expressão, especialmente no âmbito da educação e das novas demandas que o universo da comunicação e da cultura digital colocam às práticas pedagógicas. Uma das finalidades de ensinar com mídias e tecnologias é qualificar a liberdade de expressão dos estudantes, abrindo espaço para que reflitam sobre a intenção do que produzem e sobre a necessidade de se responsabilizar pelos discursos que difundem.
Assim, não podemos apenas falar em promover oportunidades para que crianças e jovens se expressem livremente na escola e outros espaços socioculturais, reafirmando apenas a promoção do direito à expressão. Mais do que isso, é preciso qualificá-lo em processos e atividades que permitam o estudante avaliar discursos, identificando neles inconsistências, abusos e crimes, além de refletir sobre a intencionalidade, consequências e implicações sociais e jurídicas de afirmações infundadas, ofensivas e odiosas.
Discutir esse direito em sala de aula pode parecer difícil, uma vez que liberdade pode parecer algo ilimitado. No entanto, é importante destacar a relação entre liberdade e responsabilidade no exercício de qualquer direito, como ir e vir, em que um motorista, passageiro ou pedestre estão sujeitos a normas de trânsito, fundamentais para garantir que a mobilidade seja, de fato, exercida por todos de forma segura.
Em razão dos desafios que envolvem a liberdade de expressão na contemporaneidade, de intensa circulação de informações e opiniões, muitas das quais violam princípios democráticos e civilizatórios, é que o Instituto Palavra Aberta lançou, no último dia 15 de setembro, data em que celebramos o Dia Internacional da Democracia, um conjunto de novos recursos para educadores proporem atividades acerca desse direito fundamental.
Entre eles, há um e-book, intitulado 5 contribuições da educação midiática à liberdade de expressão, o segundo de uma série acerca de princípios democráticos, iniciada no ano passado. A publicação detalha como a educação midiática pode contribuir para qualificar a liberdade de expressão dos estudantes, no sentido de torná-los aptos a analisar discursos de modo crítico, bem como para formar cidadãos que se responsabilizam pela informação que constroem e passam adiante. Dessa forma, a publicação oferece cinco sugestões de atividades abertas e flexíveis para, em diferentes ciclos de aprendizagem e áreas do conhecimento, o estudante desenvolver a liberdade de expressão de forma democrática, como uma competência cidadã fundamental neste século 21.
Pensar sobre isso num contexto de total imersão das pessoas na cultura digital, cujas plataformas convidam, diariamente, seus usuários não apenas a ter contato com conteúdos diversos, mas também a manifestar-se por meio de textos, imagens, vídeos e áudios, a audiências reais, é fundamental. Assim, além de dar sentido às mídias e tecnologias no contexto educacional, a escola, especialmente, contribuirá para a consolidação de valores que sustentam a democracia, formando cidadãos ainda mais comprometidos com sua manutenção e aprimoramento.