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Educação ainda sofre com negacionismo e anacronismo

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Autor Alexandre Sayad Jornalista e educador Sobre o autor

É importante a valorização de uma formação para educadores que preze as características das mídias e dos fluxos de informação.

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Imagem: Neonbrand/Unsplash

A realidade é implacável e inegável, além de ponto de partida essencial para qualquer estudo científico que possamos fazer. Questioná-la em demasia, além de um gesto místico que não encontra resposta, não tem utilidade à Ciência. A visão do filósofo pragmático norte-americano Charles Sanders Pierce, resumida aqui simploriamente, é muito representativa para o momento da educação que vivemos.

O anacronismo que setores da educação brasileira cultivaram cobra hoje um preço caro a ser pago pelos professores e, como sempre, pelo estudantes. Negar que remávamos para uma sociedade hiperconectada e com excesso de informações foi durante muito tempo uma postura combativa ao mercado agressivo da tecnologia, que sempre almejou a sala de aula. Essa negação foi também venerada com um verniz de “inteligência” e “purismo” com relação às crianças e jovens, e seus processos de aprendizagem. A televisão que alienava (com bases no pensamento da Escola de Frankfurt), e os computadores que limitavam os estudantes nos desafios intelectuais, não são exemplos raros. O melhor era mesmo retirá-los do ambiente escolar e ignorá-los como ameaça.

Ainda hoje, cultivar esses valores me parece algo muito mais distante do romantismo do que da irresponsabilidade. Incrivelmente há correntes que ainda se valem desse diapasão como pilar. Mas o que é importante observar, e se tornou evidente durante a pandemia de COVID-19, é como a visão sistêmica de educação pública no Brasil (na área da gestão, sobretudo) se contaminou com um viés anti-tecnologia. Durante muito tempo, não ousou encarar a realidade como o ponto de partida para que os estudantes se tornem os cidadãos críticos que todos parecem desejar.

Os resultados foram catastróficos. Não há esforço ou boa vontade dos educadores, que se desdobram para manter o ritmo das aulas, capaz de lidar com uma situação para qual jamais foram formados. Em recente pesquisa do Instituto Península, cerca de 88% dos professores respondentes afirmaram nunca terem tido qualquer experiência com plataformas de ensino remoto antes da crise. O pior: metade dos quase 8 mil entrevistados dizem sofrer com depressão e ansiedade nessa situação.

O receio da chegada de um Ensino Básico totalmente a distância, que aniquila a experiência social da escola e elimina vagas de emprego, não justifica a falta de investimento em fluência, ética e linguagem digitais como disciplinas na formação básica dos professores, e não apenas em situações de emergência. Afinal, são elementos do espírito do tempo que vivemos, partida essencial da construção da aprendizagem e do diálogo entre as culturas do aluno de dos professores.

A COVID-19 não nos trouxe um futuro desconhecido; pistas dele já ululavam na nossa frente. Notemos que o século 21 está ficando para trás. Já faz quase cem anos que o modernismo eclodiu na Europa, bem como a industrialização, e as cidades cresceram dando o tom dos oitenta anos que estavam por vir. Convivemos com uma realidade parcialmente digital há pelo menos trinta anos. Chamá-la de “novidade” não parece adequado. De realidade, sim.

O negacionismo e o anacronismo têm ainda dois aspectos que não podem ser deixados de lado. O primeiro, é que escondem também uma raiz emocional calcada no medo de não se conseguir interpretar a realidade em sua complexidade. Em outras palavras, o negacionismo surge, muitas vezes, como uma forma simples de deixar de fora o que não se compreende a fundo. E, assim, se furta em analisar aspectos de oportunidades e riscos. Não há dúvidas que a sociedade em rede apresenta ambos lados.

O segundo ponto é a adulto-centrismo do ambiente escolar e a constante invalidação da cultura do estudante. Programação, games, inteligência artificial e cibercultura em raros caso são incorporadas pelo cotidiano das escolas como elementos importantes da vida do aluno, que carregam não só significado, mas oportunidade de aprendizado para os educadores.

Temo a gestão pública não levar aprendizados para a pós-pandemia. Considero um legado importante a valorização de uma formação para educadores que preze as características das mídias e dos fluxos informação, e que o universo digital se torne uma parte potencializadora da aprendizagem, aliada ao acolhimento e socialização escolares. A boa notícia – que vem com muito atraso – é que segundo a mesma pesquisa do Península, mais de 90% dos professores passaram a acreditar na importância da tecnologia na educação.

Voltando a Pierce, o significante (ou a evidência) em se descartar as experiências vividas pode se traduzir na máxima perigosa de que “tudo voltou ao normal”. Não conseguir incorporar os aprendizados é retroceder. Nesse sentido, há um flerte perigoso com o obscurantismo. Pois, a partir de agora, ignorar as evidências claras do novo cenário educativo é tão grave quanto negar que a Terra seja redonda.

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Alexandre Sayad

Jornalista e educador

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista e educador, diretor da consultoria ZeitGeist e membro diretivo da aliança GAPMIL (de educação para a mídia da UNESCO), além de membro do conselho consultivo do projeto Educamídia (do Instituto Palavra aberta e google.org ) .Trabalha há vinte anos com temas de educação para a mídia e inovação. Cursou especialização em negócios pela Universidade da Califórnia / Berkeley e é fundador de três ONGS e duas empresas na área. É autor de livros na área, dentre eles "Idade Mídia - A Comunicação Reinventada na Escola" (Editora Aleph). Mais informações:   alexandresayad.com

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