Imagine que você é uma estudante de ensino médio, no processo de descoberta da sexualidade, e que fotos íntimas suas, tiradas sem a sua permissão, vazaram na internet. Um tempo depois, seus amigos, conhecidos e familiares recebem as imagens. No dia seguinte, só se fala nisso na escola. Por onde você anda, é motivo de agressões verbais, mesmo durante o período de aula, com professores presentes em sala.
Em casa, a sensação de estar livre dos xingamentos e chacotas não dura muito: ao acessar suas redes sociais, encontra centenas de comentários violentos e montagens pornográficas que usam seu corpo e rosto. Seu celular não para. Mensagens ameaçadoras de todos os tipos chegam sem parar, inclusive de números desconhecidos. Mesmo bloqueando esses contatos, outros surgem, o que transforma a situação em uma verdadeira campanha de difamação, em que colegas e amigos se afastam de você, minando seus vínculos sociais. Você está sozinha.
O roteiro descrito acima é trágico, mas não completamente inventado: é um breve resumo do que aconteceu com Amanda Todd, uma canadense de 15 anos que tirou a própria vida em 2012, após um grave processo depressivo motivado pela exposição que sofreu na web. Mesmo com o apoio dos pais, que chegaram a trocá-la de escola para evitar os ataques, a jovem não resistiu aos efeitos da perseguição que sofreu por anos.
Sua história talvez seja o caso mais famoso do tipo mundo afora, já que provocou uma onda de discussões no Canadá, envolvendo famílias, sistema de ensino e governo, especialmente depois da descoberta de um vídeo gravado pela jovem e publicado na internet, em que ela contava a sua história por meio de uma sequência de cartazes. Contudo, Amanda não foi a primeira nem a última vítima dessa de violência sistemática, própria do mundo digital, que objetiva destruir reputações. Há casos pelo mundo inteiro. O suicídio da também canadense Rehtaeh Parsons, morta em 2013 aos 17 anos, deu-se em circunstâncias parecidas.
A isso dá-se o nome de cyberbullying, um assédio virtual praticado contra uma pessoa por meio de plataformas online. Ou seja: é o mesmo que bullying, definido como prática de intimidação entre pares, mas de forma ilimitada, uma vez que a suposta liberdade e a falta de vigilância da web permitem o anonimato e uma grande diversidade de conteúdos ofensivos criados pelo agressor (também conhecido como cyberbully).
A diferença mais cruel entre o bullying e o cyberbullying é precisamente a não exigência de tempo e espaço do segundo para acontecer. As ofensas ultrapassam o período de aulas e os muros da escola, acontecendo o tempo inteiro, sem cessar.
A humilhação surge por meio de comentários maldosos, memes absurdos, postagens maliciosas, criação de fakes e uso indiscriminado da imagem do alvo, com um aumento inestimável do público que está presenciando a hostilidade. Nas redes sociais, a escala da violência é, portanto, infinitamente maior.
Os dados mostram que vivemos uma epidemia global de cyberbullying. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mais de um terço dos jovens afirmam ser vítimas dessa prática. O levantamento, que considera 30 países, ainda mostra que um em cada cinco desses estudantes deixou de ir à escola justamente por sofrer violência virtual dos colegas.
No Brasil, de acordo com o mesmo estudo lançado neste ano, 37% dos adolescentes disseram ter sofrido cyberbullying, sendo que 36% desses afirmaram ter parado de frequentar as aulas depois dos ataques virtuais.
Outra pesquisa, realizada pela Ipsos em 2018, colocou o País no segundo lugar do ranking das nações onde esse tipo de agressão acontece repetidamente. Os números mostram que, enquanto 30% das famílias brasileiras relatam esses casos, a média dos 28 países participantes da pesquisa é de 17%.
Apesar de haver uma política nacional contra o bullying desde 2015, quando a lei 13.185 instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, obrigando as instituições de ensino a assegurarem iniciativas de conscientização, prevenção e combate, o problema permanece e afeta gravemente o processo de aprendizagem e a saúde mental de crianças e jovens.
No caso específico do cyberbullying, esse é um tema inseparável do ambiente acadêmico porque envolve diretamente a comunidade escolar. Se no bullying as crianças e jovens que riem das maldades também são corresponsáveis, mesmo que não tenham iniciado os xingamentos, nas mídias sociais vale o mesmo: quem curte ou compartilha esses conteúdos também tem culpa na onda de agressões.
Tal consciência pode ser incentivada nos alunos por meio de atividades que estimulem o envolvimento deles com o tema, partindo sempre da ideia de que noções de educação midiática e uso seguro das redes devem constar de modo perene no currículo escolar, como demanda a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Algumas sugestões mais práticas estão a seguir:
- Rodas de conversa, em que as crianças e jovens consigam compartilhar situações nas quais se sentiram intimidados por colegas na internet;
- Estímulo a atividades de mediação de conflitos, prática adotada em muitas redes de ensino, mas com o foco nas plataformas sociais;
- Criação de campanhas de conscientização contra o cyberbullying, com peças de mídia produzidas pelos alunos para serem compartilhadas nas redes, estimulando o uso saudável do espaço outrora utilizado para ofender;
- Debates impulsionados pela pesquisa de casos reais de bullying virtual, como o de Amanda Todd, fazendo com que os estudantes se identifiquem com as vítimas e criem empatia;
- Realização de oficinas de memes que invertam a lógica do cyberbullying: ao invés de humilhar o colega, os alunos devem produzir conteúdos que destaquem qualidades que admiram nos seus pares.
O combate ao cyberbullying é uma questão de cidadania digital em prol da cultura de paz, e os educadores precisam desempenhar um papel conciliador e esclarecedor nesse sentido, formando cidadãos empáticos e conscientes de suas ações no mundo online e offline.
Imagem de Linus Schütz por Pixabay