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A notícia de que uma professora de Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), pediu para que seus alunos usassem palha de aço com objetivo de representar o cabelo crespo causou indignação nos últimos dias. Na tentativa de explicar a atividade escolar, a docente disse que sua intenção não era ofender.
“Não houve preconceito da minha parte, nós temos que quebrar esse preconceito. Só de eu estar trabalhando com ‘bombril’, eu vi que há, sim, um preconceito em trabalhar com ‘bombril”, afirmou a educadora, que também se desculpou publicamente. Por conta da repercussão do caso, ela foi demitida.
Justificativas como a dada pela educadora são comuns em casos de racismo e injúria racial. Frases como “Não sou racista, tenho amigos negros” são apenas um exemplo de como ainda parece difícil para muitas pessoas detectarem e desconstruírem seus preconceitos.
É por isso que a escola deve ser um lugar primordial para o debate sobre intolerâncias de todos os tipos, discutindo representatividade,lutas sociais, diversidade e empatia. A escolha de uma atividade como essa para “homenagear” o Dia da Consciência Negra vai contra tudo isso porque reforça estereótipos preconceituosos que movimentos sociais tentam combater há décadas.
A ideia do cabelo crespo sempre foi associada a algo negativo, como se precisasse ser “domado” para se enquadrar em padrões de beleza disseminados, histórica e sistematicamente, pelas mídias por meio de novelas, campanhas publicitárias, filmes, séries e capas de revista. Imagens de pele branca e cabelo liso sempre foram reproduzidas e valorizadas como ideais em detrimento do cabelo afro, mesmo que sejam completamente diferentes das texturas que a maioria da população brasileira possui.
Isso ainda pode ser facilmente observado quando fazemos um simples teste no Google. Pesquise o termo “cabelo feio” e escolha o resultado por imagens. A resposta será uma variedade de fotos de penteados crespos e cacheados utilizados por pessoas negras.
Outro exemplo disso foi um caso ocorrido em 2020, quando veio a público o relançamento do produto “Krespinha”, uma esponja de aço da Bombril voltada para a limpeza em produtos inox, o que fez com que usuários das redes sociais acusassem – justamente – a empresa de racismo. Na década de 1950, a publicidade dessa mesma esponja estampava a imagem de uma menina, fazendo alusão a seus cabelos crespos.
Ou seja: retratações e notas de repúdio são comuns, como mostram os casos da escola, da Bombril e tantos outros. Mas, se há anos um produto como a tal esponja não causava indignação, hoje é diferente. Ainda bem, pois chegou-se a um ponto de esgotamento em que ações como essa não podem mais ser toleradas.
É preciso fazer mais e agir antes que situações de opressão e racismo aconteçam. E o espaço escolar é um dos ambientes ideais para a realização de projetos de prevenção e conscientização das novas gerações. Crianças e jovens precisam crescer com valores como empatia e diversidade como partes fundamentais da cidadania.
Se em um passado recente, falas e atitudes racistas eram vistas como “brincadeira”, sem consequências para seus agressores, resquícios do longo período escravocrata que o País passou, hoje vivemos o início de uma cultura que se opõe ao racismo e combate o ódio, e que parece estar no início de um processo de resgate e enaltecimento das múltiplas contribuições culturais e sociais que o povo preto trouxe e traz para a sociedade brasileira.
Milton Santos, um dos maiores intelectuais que já tivemos, afirmou em um artigo: “Ser negro no Brasil é frequentemente ser objeto de um olhar vesgo e ambíguo. Há, sempre, o risco de cair na armadilha da emoção desbragada e não tratar do assunto de maneira adequada e sistêmica”. A reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, motivo pelo qual existe o Dia da Consciência Negra, deve ser tratada por educadores e pela sociedade em geral de forma coerente e estruturada, sem espaços para reforçar ainda mais o racismo.