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BBB, cancelamento e o esvaziamento das pautas sociais

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Autor Mariana Mandelli Coordenadora de comunicação Sobre o autor

Prática é mal conceituada e, em vez de agregar, continua esvaziando debates e gerando ódio

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📸: TV Globo

Contrariando a liquidez das redes sociais, em que tudo muda em uma velocidade inescalável, 2021 chegou e a chamada “cultura do cancelamento” segue em voga dentro e fora dessas plataformas. Diferentemente de outros modismos que assolam a experiência dos usuários na internet, a prática mal definida (e banalizada) voltou aos holofotes midiáticos especialmente por conta da nova edição do Big Brother Brasil, cuja estratégia de mixar anônimos, artistas e influenciadores digitais tem impactado tanto quem acompanha como quem não assiste ao reality show.

Ser ou não “cancelado” tem sido um fantasma para os participantes desde que adentraram o programa, em 29 de janeiro. De lá para cá, o tema fez parte de conversas e até de uma dinâmica promovida pelo apresentador Tiago Leifert, que é bastante ilustrativa para demonstrar como ninguém sabe exatamente definir o que é “cancelamento”. Leifert pediu que cada “brother” indicasse dois candidatos a serem os maiores “canceladores” da casa, aqueles que, de acordo com o jornalista, impõem suas verdades sobre os outros, “descendo dos céus para ensiná-los” a viver de determinada maneira.

As respostas dos 20 integrantes misturaram uma série de acusações diferentes, mas quatro exemplos são emblemáticos. Uma participante apontou o líder que a colocou no paredão, classificando uma indicação pessoal como “cancelamento”. Um rapaz escolheu uma participante que, nos primeiros dias, explicou aos homens da casa que usar roupas, maquiagem e trejeitos femininos ofende a comunidade trans ou seja, para ele, a crítica dela estava “cancelando” todos eles. 

Já uma cantora que vem sendo acusada pela audiência de excluir e torturar psicologicamente outro participante afirmou ser ele um dos principais “canceladores” da edição. Por outro lado, ela vem sendo “cancelada” pelo público por meio de memes, críticas e ofensas pesadas no Twitter e Instagram.

Por fim, uma “sister” paraibana foi criticada e humilhada pelos colegas por seu jeito expansivo e comunicativo, visto por eles como falta de educação. Uma comparação entre seus modos e os dos sulistas foi feita pela mesma cantora citada anteriormente, o que foi interpretado pela audiência como xenofobia contra o povo nordestino, já que a artista é de Curitiba (PR).

Como se vê, relacionamento interpessoal, recusa em discutir causas sociais, assédio psicológico e preconceito estão sendo colocados no mesmo balaio, tanto dentro quanto fora da tal “casa mais vigiada do Brasil”, mostrando que um conceito em construção como o “cancelamento” não traz, na realidade, nada construtivo. Ao contrário: a profusão de definições tem gerado intolerância e julgamentos descabidos, sem chance de defesa para os acusados.

O problema é ainda maior quando a controvérsia sobre “cancelar” ou não alguém está ligada a causas sociais. É fundamental a percepção de que as discussões que perpassam raça, gênero, classe e sexualidade estejam finalmente fazendo parte do debate público. O problema é que situações de diferentes proporções estão sendo classificadas da mesma forma, como o próprio BBB nos mostra de modo bastante didático e incômodo.

A responsabilização por discursos preconceituosos de todo cunho precisa ocorrer, sim, dentro das esferas correspondentes, inclusive criminal, quando necessário. O combate à homofobia e à misoginia e a luta antirracista precisam ser tratados com seriedade e comprometimento, já que são problemas cuja solução não está na histeria desproporcional das redes sociais, denominada comumente como tribunal da Internet, ou na validação da autoestima e do ego de participantes de um programa de TV.

Mais do que definir que é o “cancelamento”, é preciso incentivar o uso fortalecedor das plataformas para discutir bandeiras políticas e sociais, especialmente entre o público jovem, de forma consciente e responsável. Tal processo já vem ocorrendo e exemplos de mobilização social com origem nas mídias sociais não faltam. 

Há espaço, e muito, para participação cívica, diálogo frutífero e aprendizados diversos nas redes, onde todos e todas ganham, diferentemente do que acontece com a enxurrada de ofensas, o julgamento de condutas, as agressões verbais e morais e tudo mais que o ato de “cancelar” algo ou alguém promove. A escolha por um debate real, mais rico e mais efetivo, cabe a cada um de nós.

 

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Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação

Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta.

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